segunda-feira, 4 de julho de 2011

sede

Sento-me e só quero levar o que tenho à minha volta, para que tudo possa desaparecer.
Quando falavas para mim era um sonho, davas-me segurança - lembras-te daquela vez em que ficámos as duas em casa, eu com medo dos barulhos que vinham da rua, tu a jogar computador e a falar sobre as histórias da tua infância, eu sempre atenta? eras tão inteligente e não podia haver mais ninguém de quem eu gostasse tanto. Às vezes gritavas, ameaçavas que ias embora, eras rabujenta, mas nunca me desiludiste, sempre fizeste o que tinhas para cumprir. Sempre te entendi melhor que os outros porque me identifiquei com a tua dor, e no fundo, sempre quis tirar-te o passado e ficar com ele para mim. Ninguém merece a vida que tiveste, a cabeça que tens. Gratidões eternas, rejeições eternas, uma vida feita de sonhos, de seres a melhor para as pessoas erradas e ignorada por quem devia considerar-te e amar-te. Contigo sentia-me protegida, mas ao mesmo tempo sempre te quis proteger, nunca quis que sofresses com os meus erros e com os dos outros. E principalmente, os teus.
Durante anos pensei todas as noites que era um erro, e como é que seriam as coisas se eu não estivesse cá. Sem vestidinhos, cueirinhos, óculos partidos em arbustos, gritos pela casa durante anos, birras, choros, bonecas pelos cantos... Se calhar eu sou um dos teus maiores erros, tanto que já não és capaz de olhar para mim e de falar a minha língua, ficamos sempre no mundo do silêncio e do sono - não durmas no carro quando eu vou lá dentro, põe o cinto, fala sobre qualquer coisa menos aquilo de que falas todos os dias e que te preenche a cabeça e os pés. Estou cansada de fazer perguntas para o vácuo, contar coisas ao vazio, não sentir emoção nenhuma quando regresso, e uma sensação de tirania quando vou embora. Há anos que procuro indícios de que fui um erro que resultou bem, mas cada vez mais vejo que fui um erro que só trouxe problemas, mais do que vantagens. Mas se calhar penso mais do que tu sobre isso, porque pensar é morrer...
Esta mania que temos de querer moldar as pessoas à nossa maneira e daí fazer depender a nossa própria felicidade, matou-nos. Tu, puseste a tua felicidade nos outros, eu em ti. E ambas caímos, não sei se já deu para reparar. Os outros nunca vão ser o que querias deles sem os aceitares primeiro, e tu nunca vais ser o que eu quero se eu não te aceitar como és. Ao mesmo tempo, queria que me desses a chave do teu coração, onde pelos vistos há tantos destroços, mas não há lugar para mais um, eu.
Sabes uma coisa? Tenho sede de ti, do teu amor. E parece que nunca vai passar, essa sede. És como uma garrafa que estava a acabar quando eu nasci, e da qual eu só fiquei com uns restos. E agora, nada consegue substituir essa falta.
As teorias não nos valem de muito quando cá dentro a prática nos despedaça... Mas a teoria aqui encaixa muito, excessivamente bem.

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