quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Nossa Senhora, rogai por nós

Se há coisa que me enerva é a perda de valores à medida que as pessoas vão envelhecendo.
Com 20 anos, são os donos do mundo, aos 30 vão amainando, o coração político vai fazendo a viragem à direita, primeiros filhos, primeira casa, aos 40 esquecem metade da vida, aos 50 os jovens de hoje em dia são uma desgraça, aos 60 no tempo deles é que era, aos 70 já têm estatuto de santos, aos 80 já esqueceram os primeiros cinquenta anos de vida e fizeram tudo o que podiam pelos outros, aos 90 voltam a ser donos do mundo, mas desta vez as limitações físicas não lhes permitem grandes rebeliões.
É como se ao envelhecer as pessoas esquecessem, fossem transformando o passado à medida do presente, as ideologias actuais passam uma esponja nas acções passadas. Tenho pena que assim seja, porque outra coisa que me enerva é a necessidade que algumas dessas pessoas têm de exigir dos outros, os "jovens", que sejam como eles nunca foram. Porque acho que só podemos exigir dos outros aquilo que fomos, aquilo que fizemos. E o ideal será não exigir nada. No máximo, que se dialogue, que se passem os ditos valores morais e éticos, através do exemplo (!), da conversa, da amizade, do amor, da paciência. Que não se fale de cor. E que não precisemos de esconder atrás de um computador para fingir que está tudo bem. E que não precisemos de ser o que não somos, só porque sim.
Que a idade não me traga estas amarguras e mordidelas de língua! Que a minha memória me acompanhe para sempre, Ámen.

um sonho que eu tive

E se o amor fosse como uma cidade?

Às vezes o amor é como uma cidade em ruínas.
Quando passeamos por essas cidades não encontramos viv'alma, tudo é vazio e sem cor. O que em tempos foi uma grande praça que abrigava grandes eventos, onde as pessoas conversavam, passeavam de mão dada, davam comida aos pombos, discutiam, iniciavam relações, passeavam em família, tinham ideias e projectos, cantavam, dançavam, choravam, viviam, está vazia, tem lixo pelos cantos. Não corre aragem nenhuma em lado nenhum. Os edifícios estão grafitados pelo "mau gosto", a ameaçar ruir a qualquer momento. Há incêndios espalhados por todo o lado, senhoras com gatos a urinar dentro de casa, que não os deixam sair à rua porque é perigoso. Tem dias em que o amor se assemelha a uma cidade em alerta vermelho, com ameaças de bomba, em que as pessoas devem proteger-se em abrigos, não sair à rua e não ficar em pânico. Lá fora, uma criança que só queria brincar pode estar a ser atingida, vive-se neste medo, todos sabem que viver ali é injusto, ninguém sabe o que fazer para mudar.
Eventualmente, queremos que pare. Esperamos sempre por alguém que há-de vir, alguém que nos traga sol e calor, brilho, que pegue na cidade e a transforme, requalifique, que a torne num sítio onde se possa viver a pensar no futuro, com alicerces, com muitos edifícios mandados abaixo e construídos de raiz, tudo de novo, tudo outra vez... Com muita, muita paciência.
O problema é que os edifícios que lá estavam não querem desaparecer, têm uma história - aquele risco na parede eu fiz quando fiz uma birra com 5 anos de idade; aquele vidro partido foi quando o meu irmão tinha 9 anos e estava a jogar à bola... O amor, mesmo quando é acizentado, também levou tempo a crescer, e nesse tempo coube muita dedicação, esforço, uma vida onde couberam mil vidas, conversas, discussões, abraços eternos e mil e um projectos. Custa muito quando chega alguém que transforma, que leva embora a cidade fantasma.
E há muitos dias em que a velha alma da cidade pensa "mas porque é que não dei valor à praça, porque é que a deixei morrer, porque é que não cuidei do jardim e o deixei chegar àquele ponto? Quanto tempo terei levado para não me aperceber que devia fazer alguma coisa?" e se revolta - às vezes o amor é como uma cidade fantasma que se revolta quando percebe que não fez nada com o tempo que teve para fazer tudo.
O amor é a melhor coisa do mundo quando se pode comparar a uma cidade onde se pode viver.
E se eu pudesse comparar o meu amor a uma cidade, posso dizer que de dia para dia a minha cidade se estaria a tornar cada vez mais habitável.