sexta-feira, 10 de abril de 2015

há dias em que os carros nos parecem sempre em contramão, e os faróis ferem-nos a vista (desliguem os máximos, caramba!)

Do lado de lá, diz-me a senhora que é uma situação de violência doméstica, eu do lado de cá concentro-me que isto não é a linha da APAV, estás-me a mentir ou não, o marido anda a brincar com o dinheiro dele, são dois miúdos, mas todos mais velhos que 10 anos, não posso dizer nada, vai tudo ficar bem, os seus filhos têm direitos, como sabe, vai tudo correr bem, a violência é sempre calada, mas sim, tens razão, também combina com baixa escolaridade e isolamento. respiro fundo e avanço, não quero saber mais. 
E de repente - porque raio é que há pais que se amam mais uns aos outros que a quem tem de ser protegido? porque raio é que há quem sujeite os filhos a esta tristeza, a esta incerteza? porquê? porquê?
E vem-me à memória o I, em busca do super herói que desenhou para mim - e porque raio não fui também eu aquele super herói que me pediste com tanta urgência?
E a T., que a meio da noite se vinha aconchegar no meu colo com medo que me fosse embora, "sabes Inês, eles gritavam muito, não queriam que eu tivesse nascido", as lágrimas pequeninas como ela, os desenhos que pediam colo, mimo, casa, uma casa sem grades - onde os pássaros podem pousar e ficar enquanto quiserem.
Lembrei-me da R, a incerteza da vida, do amor por uma mãe que foi embora porque tinha um namorado mais importante, dos telefonemas a dizer "amo-te" no fim. Mas sempre de um olhar vazio, de quem espera o que nunca vem.
O meu coração fica apertado, tão apertado... E depois, faz-se luz - o caminho para mim não é tão difícil como às vezes me parece.