sábado, 9 de julho de 2011

ode à vida

Quando era pequena sonhava com uma casa grande e dois filhos, de cabelo encaracolado como o meu, sorriso largo, morenos como o pai, olhos castanho avelã. O meu marido ia ser piloto de aviões, e ao fim-de-semana iríamos todos passear num avião privado, ver a nossa casa de cima e dizer "Olha a avó, está a acenar", e depois tirávamos uma fotografia que a avó iria emoldurar e colocar à entrada de casa. Nos meus sonhos havia sempre uma música calma, o meu quarto ia ter uma cama daquelas de estilo Imperador, com véus rosa e brancos à volta, e eu estaria lá à espera do meu marido com um fato de noite de cetim, cor malva ou marfim. Às vezes, podia usar o vermelho. De manhã, ele trazia-me o pequeno-almoço e depois dele chegavam os miúdos, e na cama caberíamos todos. Íamos ser felizes. Depois fui crescendo e deixei de sonhar.
A minha vida consiste em acordar e ir à procura de anúncios. O meu filho dorme na cama ao lado, não temos quarto para ele, e nem sei se teremos capacidade para pagar a nossa casa muito mais tempo. Vivo com um homem que mal conheço, quer dizer, que sinto no escuro e no frio do nosso quarto, ele sai cedo e eu também, porque esta casa é pequena demais para eu ficar sozinha com o meu filho. Antigamente sonhava com coisas bonitas para mim, hoje em dia tomo um banho por semana, para poupar água e tento não pensar. Não tenho trabalho, tenho um filho para criar. Tem os meus caracóis e os olhos do pai. Quando fica apreensivo, faz a cara do tio. Vê-se que quer viver, mexe-se muito, mas ao mesmo tempo salta de colo em colo, nunca está bem. Chora de noite e eu às vezes gostava de o poder pôr num local onde não o conseguisse ouvir. Está do meu lado da cama, por isso sou eu quem tem de ir ver o que se passa com ele. Todos os dias usa uma fralda nova, come uma papa nova, toma um banho novo, faz uma coisa nova. E às vezes cansa-me. Não sei o que é que o amanhã me reserva, só sei que a novela acaba no mês que vem, tal como o meu subsidio de desemprego. E depois, vou ter de procurar mais e mais.
Todos me dizem que nunca temos o que sonhamos da vida, que as coisas simplesmente acontecem. Eu tive o que queria, mas na ordem inversa, da maneira errada. Não desejo mal a quem me destinou a esta vida, só gostava de ter nascido do outro lado do mundo, ou num sítio onde façam muitas histórias de encantar. E cá me vou aguentando...

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