segunda-feira, 27 de junho de 2011

altos voos

A caminho de Lisboa, fiquei hipnotizada pelos meus pensamentos.
Na televisão mostravam pessoas a descer de uma ponte muito alta. Davam saltos e depois abriam pára-quedas coloridos, até chegarem a uma clareira junto ao rio, que corria, com corrente forte. Antes do pára-quedas abrir mandavam-se da ponte como se estivessem a mergulhar no ar, contentes, mas por segundos a câmara filmava-lhes a cara e eu via nela o desespero do pensamento "e se o pára-quedas não abrir? As rochas do rio são já ali".
Depois havia um casal, que parecia divertir-se a mandar um bidon pelas encostas abaixo, com um deles lá dentro, à vez. Como protecção tinham espuma à volta do corpo e um capacete. Ao fundo, via-se o mar, e eu estava com medo que a rapariga fosse parar a uma encosta, que o bidon rebolasse pelas rochas abaixo e ela caísse ao mar. E já imaginava, as ondas a dar-lhe no capacete azul, a espuma a boiar, e ela contra as rochas, suave e depois violentamente, ao sabor das ondas. E no fim, o rapaz desesperado, porquê brincar com uma coisa tão parva, a vida é tão valiosa, o que é que ele foi fazer, a ideia tinha sido dele, e ela é que tinha sugerido o capacete. Ela nem queria ir porque era claustrofóbica e ele é que a tinha coagido com um "ou te metes dentro do bidon e dás umas reboladelas pelas encostas bonitas deste país nórdico onde vivemos, ou está tudo acabado - tu vais para casa dos teus pais, e eu fico com o LCD gigante que ocupa metade da nossa sala. E os teus CD's."
O que mais me fascinou foi um grupo de amigos que fazia bungee-jumping: atados pelos pés mergulhavam numa ponte (já não tão alta como a dos saltos de pára-quedas), e alguns conseguiam mergulhar a cabeça na água do rio, para voltar imediatamente para cima, atordoados pelo impacto da queda. Depois, tentavam novamente chegar à água - nenhum conseguia, porque já não tinham impulso que lhes permitisse grandes saltos. Ficavam só ali, as pernas e os braços a dar, a balouçar indefinidamente, até ao fim. Não mostrava como é que saíam de lá, se os puxavam ou se mergulhavam mesmo ao rio. Se mergulhavam, eu não entendia como, porque estavam presos pelos pés.
Foi aí que pensei que a morte está tão presente ali, que já não sei se concordo com a ideia de que a pulsão de morte não pode existir porque não a conhecemos - tudo o que conhecemos é a vida. Não é preciso querer mandar-me de uma ponte abaixo, com o risco de me despedaçar lá em baixo para desafiar a minha sorte. Se tudo o que conhecemos é a vida, porque é que não vivemos da maneira que quem só conhece a vida pode viver? Porque é que vivemos sempre à espera de morrer, num toca-e-foge eterno, até ao fim?

I.C., angústia predominante: angústia de morte, que esconde uma eterna angústia de abandono. Ou se calhar que já foi abandonada.
Diagnóstico: No limite. Da vida e da morte.

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