quinta-feira, 31 de maio de 2012

Algures numa estação de comboio estava um leão à espera de um coelho para irem passear à praia. O coelho, como sempre, atrasou-se e chegou muito afogueado à estação. Na mão trazia uma cesta de verga com uvas, sandes para dois, e sumos de maçã e alperce. E uma toalha aos quadrados vermelhos e brancos, claro.
Pegou nas mãos do leão, mas com elas o leão escondeu a cara, e começou a chorar. E a soluçar muito alto. Aparentemente o leão tinha chegado muito tempo antes... Estava cansado de esperar.
O coelho entendia, mas o atraso vinha no código genético... Não podemos lutar contra as coisas que o código genético nos envia - chegar atrasados, deixar tudo para amanhã, não gostar de sopa de agrião, odiar marisco, não gostar de correr, ver figuras nas nuvens... Leão, tu não entendes que eu sou assim e vou ser sempre assim?, disse-lhe o coelho. O leão não respondeu, e o coelho disse que agora estava tudo bem, estavam juntos e é isso que importa.
O leão queria sair dali e ir até um sítio longe. Já não queria ir à praia. Ele não gostava de praia, até... Ele gostava de rios e lagos, e ambientes frios como caves e castelos. Chegou um comboio, mas não dizia para onde ia. O leão entrou. O coelho, que tinha pousado o cesto, agarrou nele e foi atrás do leão. Perguntou para onde iam, se era aquele o comboio para a praia... O leão não respondeu. O coelho tentou entrar, mas o leão, chateado, empurrou-o. O coelho tentou subir, mas o leão mandou-o para baixo muitas vezes... O coelho até ficou com nódoas negras... Às vezes os amigos são assim... Queremos chegar até eles, mas só nos mandam para trás... A dada altura o coelho não sabia o que fazer, e por isso deixou-se estar sentado. O comboio partiu.
O coelho chorou. Já não podia ir à praia, tinha magoado o leão... Mas se tinham combinado que era ele que trazia o lanche... Foi por isso que ele se atrasou. Se ele soubesse, tinha-se deitado uma hora antes, não tinha ficado a molengar a ver televisão e a conversar com os amigos. Se não tivesse estado com os amigos, se calhar o leão não tinha entrado no comboio... Onde estaria o leão? Será que estava a pensar nele?...
Chegou à estação o senhor pato, que o coelho tinha conhecido na noite anterior. O senhor pato tinha feito o coelho rir, e isso era algo que não acontecia há algum tempo. Na mão, o pato trazia uma toalha de praia, amarela como o bico dele. O pato reconheceu o coelho e foi-lhe falar. Estranhou os olhos tão tristes, não tinha sido assim que o tinha conhecido.
Sabes pato, eu estava feliz porque estava contigo. Mas hoje aconteceu-me uma coisa. O meu amigo leão entrou num comboio. E ainda por cima já nem sequer vou à praia.
O pato disse-lhe que ia, e que o coelho podia vir. Mas o coelho não conseguia ir embora. Queria recordar o leão ali.
O pato deu-lhe o número e disse que ia ligar a saber notícias. Para ver se estava tudo bem. O coelho gostou muito daquele pato simpático. Ainda pensou em ir no comboio a seguir, mas não conseguia ir a lado nenhum.
Passaram-se dias e dias e o coelho ia todos os dias à estação, ver passar os comboios. Ia à espera do leão. Um dia, viu o leão desembarcar. Foi a correr ter com ele e deu-lhe um grande abraço. O leão disse que estava cansado daquelas coisas, que o coelho o deixasse ir para casa. Às vezes o coelho pensava que o leão o tinha mandado embora porque o coelho não tinha ido atrás dele. O pato ligava-lhe todos os dias e dizia que o medo não nos pode guiar. Dizia ao coelho que ele não podia viver com medo. Mas o coelho sabia que o pato vivia. Porque é que me dizes isso se tu andas sempre com medo de ser quem és? Porque é que tens de te medir à altura dos outros, não te chegas a ti próprio? Deixa-me em paz... O leão vai-me desculpar, eu sou o culpado. Mais vale ter medo a ir embora. Eu não desisto.
O leão às vezes vinha, outras vezes ia embora. Algumas vezes pedia a toalha aos quadrados e ia dar longos passeios com o coelho. Falavam de literatura e música e riam-se muito. Mas depois, já não queria estar com ele, mandava o seu amigo coelho para outros lados, alegava o cansaço, os atrasos do coelho e a monotonia.
O coelho ia de um ponto ao outro da felicidade e do pânico. Às vezes já nem trazia a cesta de verga, só para não ouvir ralhar por causa dos seus pontuais atrasos.
O pato continuava a ligar e a dizer que existia uma cadeira ao lado dele para ver o pôr do sol. O coelho tinha uma paixão por pôres do sol. Mas não queria desistir do seu amigo leão. Às vezes punha as mãos á frente dos olhos e chorava baixinho, como os crescidos. Por não saber o que fazer.
O leão entrava e saía de comboios com direcção a parte alguma. O coelho tentava ir atrás, mas às vezes não chegava a tempo. Sempre atrasado. Sempre um contratempo, quando tudo estava a correr bem.
O coelho via vazio no presente e não havia sequer futuro. Às vezes havia sol, mas na maior parte dos dias eram nuvens cinzentas que o tapavam. A desesperança imperava. Desta vez, o coelho esperava pelo leão.
O leão tinha ficado de vir conhecer o sítio mais lindo do mundo. Ao início, o leão disse que não queria, mas o coelho lá o convenceu. O leão disse que esse sítio não era para animais como eles, mas acabou por amar esse sítio. Haviam lagos e era perto da praia. Tinham encontrado um meio-termo. Estavam felizes. O coelho estava feliz. O leão estava feliz. Mas depois, nasceu o desapontamento. O leão estava habituado a sair e a entrar. E saiu.
O coelho estava habituado a implorar.
O pato estava habituado a ligar com dicas e conselhos quase vendidos.
O coelho decidiu não ir esperar mais pelo leão. Desta vez, era ele que ia esperar.
E esperou, esperou, esperou. O leão entrou e saiu de muitos comboios, e nunca esteve lá o coelho para o receber. O coelho tinha deixado de trazer o seu cestinho com comida para piqueniques. Andava só com óculos de sol para tapar a tristeza. O leão nunca mais disse nada.
E o coelho esperava, esperava, esperava. Um sinal. Um olhar. Um convite. Qualquer coisa.

Foi então que apareceu um cisne.
O coelho estava numa tarde de Outubro a ver o céu e viu nas nuvens um cisne. Ele voou até ele. Era real.
A espera pelo dia seguinte. Agora o cisne estava à espera. Agora era o coelho. O cisne queria levar o coelho a voar, mas o coelho não conseguia. Muitas coisas o prendiam ao chão. Sabes cisne, eu nunca aprendi a voar... Ensinas-me?
O cisne esperou, esperou, esperou, esperou... Às vezes teve vontade de voar de volta às nuvens e deixar o coelho. O coelho fez um lanche para os dois com muitos doces, e com morangos. Levou uma toalha cor de rosa e branca, ás riscas. E apanharam o comboio para a praia. Risos. Risos. Risos.
A eterna espera pelo dia seguinte, nunca acaba.





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